sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Novos quadrinhos para velhas crianças


Sidney Gusman, nosso querido Sidão, é editor da Mauricio de Sousa Produções. Foi durante o FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) de 2011, se não me engano, que ele me mostrou, pela primeira vez, os teasers do novo projeto pelo qual era responsável: a série Graphic MSP.
     Lembro-me de que na época se discutia, em alguns grupos, o real alcance da Turma da Mônica Jovem como “renovação” da franquia, atingindo a geração que deixava a infância e a Turminha, em busca de quadrinhos mais “maduros”. Quando vi os desenhos do Sidney, lembro-me bem de ter sido invadido por um entusiasmo quase infantil, especialmente com o teaser do Piteco, e disse: “Sidão, ISSO é renovação! Vai arrebentar!” Eu adoro quando tenho razão.

     A série Graphic MSP propõe a criação de histórias cujos personagens são exatamente os mesmos da Turma da Mônica, porém com outra apresentação: texto mais adulto, mais ousado; desenhos ao estilo de diferentes autores, sem um compromisso estrito com o visual de Mônica, Cebolinha e companhia que estamos acostumados a ver, com os quais aprendemos a ler. Até agora, a partir de outubro de 2012, foram quatro álbuns, com apresentação gráfica impecável, edições de luxo que já se perfilam em minha estante. Vamos colocar uma lupa sobre cada uma delas...
 

     A primeira publicação foi “Astronauta – Magnetar”, de Danilo Beiruth. Considero um grande acerto a escolha desta obra para abrir a coleção, pois ela representa de maneira eloquente tudo aquilo a que a série se propõe. As referências com relação ao Astronauta original, com sua roupa espacial e espaçonave esféricas, são facilmente reconhecíveis. No entanto, o texto é pura ficção científica, leitura adulta, densa. Para os especialistas em FC: enquanto o Astronauta original se presta bem a uma “space opera”, o Astronauta de “Magnetar” é FC “hard”. Já está prometida uma continuação.
 

 
     Seguiu-se “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi. Nunca me canso de dizer o quanto sou fã desses meninos desde que conheci “Valente”, uma das séries em quadrinhos mais deliciosas que tenho lido há anos. Em “Laços” os autores conseguem transmitir a mesma poesia, a mesma sensibilidade e a mesma relevância em termos de relacionamento humano que derramam das páginas de sua série própria, e as conexões (ou “laços”) com a série original de Mauricio de Sousa são tanto abundantes quanto adequadas.

 
     O terceiro volume da série foi “Chico Bento – Pavor Espaciar”, de Gustavo Duarte. História divertidíssima, trazendo como bônus uma cena antológica do Jotalhão crucificado que me remeteu à Estátua da Liberdade no final de “Planeta dos Macacos”. O ritmo peculiar dos desenhos, onde uma vez uma página inteira (ou mais) é usada para mostrar um personagem simplesmente se esgueirando por um corredor, poderia ser interpretada por alguém menos avisado como “encheção de linguiça”. Entretanto, confere um ritmo de desenho animado absolutamente compatível (e catalisador) com o humor do texto. Um senão: apesar de ser uma publicação admirável em termos artísticos, é a que menos se adéqua, a meu ver, ao “espírito” da série. A história, com pouca modificação, poderia ser adaptada para o formato (texto e desenhos) do Chico Bento original. Sobrou qualidade, mas faltou um pouco de ousadia.

 
     Finalmente, temos “Piteco – Ingá”, do artista Shiko. O que dizer? Nós, leitores de literatura fantástica, estamos constantemente em busca, como garimpeiros incansáveis em páginas de textos e/ou desenhos, do chamado “sense of wonder”. Aquele encantamento que nos eleva, nos arrebata do mundo real e nos mergulha num universo estranho que acolhemos, e do qual nos alimentamos com prazer inigualável. “Ingá” é puro “sense of wonder”. Referências sólidas à série de Mauricio de Sousa, ação empolgante, inclusão de elementos interessantíssimos da mitologia de diferentes culturas, e um alicerce sólido (e muitíssimo bem sacado) sobre a misteriosa Pedra do Ingá, localizada no sertão da Paraíba.

     A boa notícia é que já estão previstos, ao que parece, mais seis álbuns da coleção, explorando personagens menos conhecidos da mitologia mauriciana, como Papa-Capim e a Turma da Mata.
 
     Não conheço eventuais pretensões de Sidão & Mauricio no sentido de levarem essa coleção para o âmbito internacional. Mas que merece, merece, e muito. Eu sugeriria, como “cartões de visitas” para o público gringo (europeu ou norte-americano), a utilização de “Laços” e “Piteco”. Enquanto “Chico Bento” foge um pouco da proposta (r)evolucionária da coleção, “Magnetar” é ficção científica para a mente, explorando um elemento pouco conhecido até pelos próprios especialistas em FC. Essa “racionalidade”, a meu ver, coloca em perigo a manutenção do “pique” da série em sua continuidade. Já as duas primeiras edições sugeridas trazem alimento para o racional e para o emocional em doses certas, bem ao gosto do leitor lá de fora. Tenho acompanhado os rumos da literatura fantástica norte-americana, e detecto um “apetite” não satisfeito por histórias diferentes, de culturas não familiares à deles. Para isso, a coleção Graphic MSP me parece um prato cheio. Jogo essa peteca, com todo meu entusiasmo, para a dupla Mauricio e Sidão. Para o alto, e avante!